GRATIDÃO: O SENTIMENTO DE MIL FACES
- Abraham Shapiro -
“Ficamos obrigadas por sua grande gentileza!” é o que estava escrito no cartão enviado pelas mulheres do Clube das Esposas dos Oficiais da Reserva da Cidade do Rio de Janeiro a um amigo meu por ter proferido uma palestra gratuitamente a elas.
- “Obrigadas”? – ele questionou. “Que é isso?”
- “Por que não?” – eu lhe disse. “Se estivesse escrito ‘agradecidas’ você não se espantaria! Elas também poderiam ter dito: ‘Muito obrigadas pela palestra!’.”
“Obrigado” na frase “Muito Obrigado” é um adjetivo. Por isso varia conforme o gênero do sujeito e com o número de pessoas envolvidas.
Um homem diz “obrigado”. Uma mulher, “obrigada”. O agradecimento no plural é raro, mas correto. Se alguém perguntar: “Como vão todos em casa?”, uma resposta sem nenhum problema gramatical seria: “Vamos bem, obrigados!”.
Por que falamos “obrigado”?
Há alguns dias, eu recebi um vídeo pelo WhatsApp em que um professor de Portugal recorreu a uma explicação de Tomás de Aquino em seu Tratado da Gratidão, parte da Suma Teológica, para agradecer seus colegas da Universidade de Brasília. Tomás de Aquino ensina que a gratidão se expressa em pelo menos três diferentes níveis.
O primeiro consiste em reconhecimento do benefício recebido. O segundo, em louvar e dar graças àquele que deu ou fez algo. O terceiro é o nível da retribuição conforme as possibilidades e circunstâncias de tempo e lugar do beneficiado.
Cada língua expressa a gratidão de acordo com estes graus. O inglês: “to thank”. O alemão “zu danken”. Isso se aproxima respectivamente de “to think” e “zu denken”, cujo significado é “pensar”. Estas línguas tomam a gratidão no primeiro nível, o simples reconhecimento da graça, chamado em latim “ut recognoscat”.
Aquino denomina o segundo nível de “ut gratias agat”, presente na língua italiana, grazie, no espanhol, gracias, no francês, merci, e no árabe, xúcran. Segundo o filósofo, este grau é superior ao primeiro e é considerado como a dimensão de render louvor e dar graças.
Especial mesmo é a formulação portuguesa, encantadora e singular, por ser a única a situar-se claramente no terceiro nível, isto é, o da gratidão no vínculo “ob-ligatus” ou “obrigado”. Ela remete ao grau do dever de retribuir, ou, como diz Aquino, “ut retribuat”.
Conclui-se que o agradecimento pode apropriar-se de múltiplas formas de manifestar o que se pensa, o que se pondera e se reconhece a respeito do benfeitor e de sua atitude. Dizer “obrigado” corresponde a assumir uma dívida nascida da consciência de que tudo o que se fizer será insuficiente para compensar o bem recebido. É um modo elevado de gratidão, pois, além de tudo, requer a humildade de aceitar o favor mesmo diante da impossibilidade de retribuí-lo.
Do outro lado de todas estas considerações estão aquelas pessoas que nunca se comprometem com nada, em nível algum. Talvez por isso o que se ouve delas nunca passa de expressões inócuas e vazias,como: “Valeu!”, “Falou!” ou “Beleza!”.