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Platão e o Mito da Caverna
Platão e o Mito da Caverna
ABRAHAM SHAPIRO

RESUMO

Sócrates diz para Glauco imaginar a existência de uma caverna onde prisioneiros vivessem desde a infância.

Com as mãos amarradas em uma parede, eles podem avistar somente as sombras que são projetadas na parede situada à frente.

As sombras são criadas por uma fogueira, sobre um tapume, situada na parte traseira da parede em que os homens estão presos.

Homens passam ante a fogueira, fazem gestos e passam objetos, projetando sombras que, de maneira distorcida, são todo o conhecimento que os prisioneiros têm do mundo. Pelas paredes da caverna também ecoam os sons que vêm de fora, de modo que os prisioneiros, associando-os, com certa razão, às sombras, pensam ser eles as falas destas sombras. Assim, os prisioneiros julgam que as sombras sejam a realidade

Imagine que um dos prisioneiros seja libertado e forçado a olhar o fogo e os objetos que faziam as sombras.

A luz fere seus olhos e ele não pode ver bem. Se lhe disserem que o que vê agora é real e que as imagens que anteriormente via não o eram, ele não acreditaria. Em sua confusão, este prisioneiro tentaria voltar para a caverna, para aquilo a que estava acostumado e podia ver.

Caso ele decida voltar para revelar aos seus antigos companheiros a situação extremamente enganosa em que se encontram, seus olhos, agora acostumados à luz, ficariam cegos devido à escuridão, assim como tinham ficado cegos com a luz.

Os outros prisioneiros, ao verem isto, concluiriam que sair da caverna causou graves danos ao companheiro e, por isso, não deveriam sair dali nunca. Se o pudessem fazer, matariam quem tentasse tirá-los da caverna.

O DIÁLOGO DE SÓCRATES E GLAUCO Do livro ‘A República’, Platão,  Livro VII

Este é um diálogo metafórico em que as falas na primeira pessoa são de Sócrates e seus interlocutores, Glauco e Adimanto, irmãos mais novos de Platão.

No diálogo, é dada ênfase ao processo de conhecimento, mostrando a visão de mundo do ignorante, que vive de senso comum, e do filósofo, na sua eterna busca da verdade.

Sócrates – Agora, imagina a maneira como segue o estado da nossa natureza relativamente à instrução e à ignorância. Imagina homens numa morada subterrânea, em forma de caverna, com uma entrada aberta à luz; esses homens estão aí desde a infância, de pernas e pescoços acorrentados, de modo que não podem mexer-se nem ver senão o que está diante deles, pois as correntes os impedem de voltar a cabeça; a luz chega-lhes de uma fogueira acesa numa colina que se ergue por detrás deles; entre o fogo e os prisioneiros passa uma estrada ascendente. Imagina que ao longo dessa estrada está construído um pequeno muro, semelhante às divisórias que os apresentadores de títeres armam diante de si e por cima das quais exibem as suas maravilhas.

Glauco– Estou vendo.

Sócrates– Imagina agora, ao longo desse pequeno muro, homens que transportam objetos de toda espécie, que os transpõem: estatuetas de homens e animais, de pedra, madeira e toda espécie de matéria; naturalmente, entre esses transportadores, uns falam e outros seguem em silêncio.

Glauco- Um quadro estranho e estranhos prisioneiros.

Sócrates — Assemelham-se a nós. E, para começar, achas que, numa tal condição, eles tenham alguma vez visto, de si mesmos e de seus companheiros, mais do que as sombras projetadas pelo fogo na parede da caverna que lhes fica defronte?

Glauco — Como, se são obrigados a ficar de cabeça imóvel durante toda a vida?

Sócrates — E com as coisas que desfilam? Não se passa o mesmo?

Glauco — Sem dúvida.

Sócrates — Portanto, se pudessem se comunicar uns com os outros, não achas que tomariam por objetos reais as sombras que veriam?

Glauco — É bem possível.

Sócrates — E se a parede do fundo da prisão provocasse eco sempre que um dos transportadores falasse, não julgariam ouvir a sombra que passasse diante deles?

Glauco — Sim, por Zeus!

Sócrates — Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade senão às sombras dos objetos fabricados?

Glauco — Assim terá de ser.

Sócrates — Considera agora o que lhes acontecerá, naturalmente, se forem libertados das suas cadeias e curados da sua ignorância. Que se liberte um desses prisioneiros, que seja ele obrigado a endireitar-se imediatamente, a voltar o pescoço, a caminhar, a erguer os olhos para a luz: ao fazer todos estes movimentos sofrerá, e o deslumbramento impedi-lo-á de distinguir os objetos de que antes via as sombras. Que achas que responderá se alguém lhe vier dizer que não viu até então senão fantasmas, mas que agora, mais perto da realidade e voltado para objetos mais reais, vê com mais justeza? Se, enfim, mostrando-lhe cada uma das coisas que passam, o obrigar, à força de perguntas, a dizer o que é? Não achas que ficará embaraçado e que as sombras que via outrora lhe parecerão mais verdadeiras do que os objetos que lhe mostram agora?

Glauco - Muito mais verdadeiras.

Sócrates - E se o forçarem a fixar a luz, os seus olhos não ficarão magoados? Não desviará ele a vista para voltar às coisas que pode fitar e não acreditará que estas são realmente mais distintas do que as que se lhe mostram?

Glauco - Com toda a certeza.

Sócrates - E se o arrancarem à força da sua caverna, o obrigarem a subir a encosta rude e escarpada e não o largarem antes de o terem arrastado até a luz do Sol, não sofrerá vivamente e não se queixará de tais violências? E, quando tiver chegado à luz, poderá, com os olhos ofuscados pelo seu brilho, distinguir uma só das coisas que ora denominamos verdadeiras?

Glauco - Não o conseguirá, pelo menos de início.

Sócrates - Terá, creio eu, necessidade de se habituar a ver os objetos da região superior. Começará por distinguir mais facilmente as sombras; em seguida, as imagens dos homens e dos outros objetos que se refletem nas águas; por último, os próprios objetos. Depois disso, poderá, enfrentando a claridade dos astros e da Lua, contemplar mais facilmente, durante a noite, os corpos celestes e o próprio céu do que, durante o dia, o Sol e sua luz.

Glauco - Sem dúvida.

Sócrates - Por fim, suponho eu, será o sol, e não as suas imagens refletidas nas águas ou em qualquer outra coisa, mas o próprio Sol, no seu verdadeiro lugar, que poderá ver e contemplar tal qual é.

Glauco - Concordo.

Sócrates - Depois disso, poderá concluir, a respeito do Sol, que é ele que faz as estações e os anos, que governa tudo no mundo visível e que, de certa maneira, é a causa de tudo o que ele via com os seus companheiros, na caverna.

Glauco - É evidente que chegará a essa conclusão.

Sócrates - Ora, lembrando-se de sua primeira morada, da sabedoria que aí se professa e daqueles que foram seus companheiros de cativeiro, não achas que se alegrará com a mudança e lamentará os que lá ficaram?

Glauco - Sim, com certeza, Sócrates.

Sócrates - E se então distribuíssem honras e louvores, se tivessem recompensas para aquele que se apercebesse, com o olhar mais vivo, da passagem das sombras, que melhor se recordasse das que costumavam chegar em primeiro ou em último lugar, ou virem juntas, e que por isso era o mais hábil em adivinhar a sua aparição, e que provocasse a inveja daqueles que, entre os prisioneiros, são venerados e poderosos? Ou então, como o herói de Homero, não preferirá mil vezes ser um simples lavrador, e sofrer tudo no mundo, a voltar às antigas ilusões e viver como vivia?

Glauco - Sou de tua opinião. Preferirá sofrer tudo a ter de viver dessa maneira.:

Sócrates - Imagina ainda que esse homem volta à caverna e vai sentar-se no seu antigo lugar: Não ficará com os olhos cegos pelas trevas ao se afastar bruscamente da luz do Sol?

Glauco - Por certo que sim.

Sócrates - E se tiver de entrar de novo em competição com os prisioneiros que não se libertaram de suas correntes, para julgar essas sombras, estando ainda sua vista confusa e antes que seus olhos se tenham recomposto, pois habituar-se à escuridão exigirá um tempo bastante longo, não fará que os outros se riam à sua custa e digam que, tendo ido lá acima, voltou com a vista estragada, pelo que não vale a pena tentar subir até lá? E se alguém tentar libertar e conduzir para o alto, esse alguém não o mataria, se pudesse fazê-lo?

Glauco - Sem nenhuma dúvida.

Sócrates - Agora, meu caro Glauco, é preciso aplicar, ponto por ponto, esta imagem ao que dissemos atrás e comparar o mundo que nos cerca com a vida da prisão na caverna, e a luz do fogo que a ilumina com a força do Sol. Quanto à subida à região superior e à contemplação dos seus objetos, se a considerares como a ascensão da alma para a mansão inteligível, não te enganarás quanto à minha ideia, visto que também tu desejas conhecê-la. Só Zeus sabe se ela é verdadeira. Quanto a mim, a minha opinião é esta: no mundo inteligível, a ideia do bem é a última a ser apreendida, e com dificuldade, mas não se pode apreendê-la sem concluir que ela é a causa de tudo o que de reto e belo existe em todas as coisas; no mundo visível, ela engendrou a luz; no mundo inteligível, é ela que é soberana e dispensa a verdade e a inteligência; e é preciso vê-la para se comportar com sabedoria na vida particular e na vida pública.

Glauco - Concordo com a tua opinião, até onde posso compreendê-la.


INTERPRETAÇÃO DA ALEGORIA

O Mito da Caverna é uma metáfora da condição humana perante o mundo no que diz respeito à importância do conhecimento filosófico e à educação como forma de superação da ignorância, isto é, a passagem gradativa do senso comum enquanto visão de mundo e explicação da realidade para o conhecimento filosófico, que é racional, sistemático e organizado, que busca as respostas não no acaso, mas na causalidade.

Segundo a metáfora de Platão, o processo para a obtenção da consciência, isto é, o conhecimento, abrange dois domínios:

- o domínio das coisas sensíveis

- e o domínio das ideias.

Para ele, a realidade está no mundo das ideias – um mundo real e verdadeiro – e a maioria da humanidade vive na condição da ignorância, no mundo das coisas sensíveis – este mundo –, no grau da apreensão de imagens, as quais são mutáveis, não são perfeitas como as coisas no mundo das ideias e, por isso, não são objetos suficientemente bons para gerar conhecimento perfeito. Em 2016, neurocientistas chegaram a mesma conclusão de Platão no que se refere à percepção humana.

O sol como uma metáfora para a fonte da ‘iluminação’ intelectual é a Forma do Bem, que por vezes é interpretada como a noção de deus para Platão. A metáfora é sobre a natureza da realidade última e sobre como o conhecimento é adquirido.

O olho, diz Platão, é pouco usual entre os sentidos, visto que necessita de um meio, a luz, para conseguir funcionar. A melhor e mais forte fonte de luz é o sol; com a sua luz, os objetos podem ser apreendidos de maneira clara. Raciocínio análogo pode ser dito dos objetos inteligíveis, isto é, das formas eternas e fixas que são os objetos últimos do estudo científico e filosófico.


CONCLUSÕES ACERCA DO MITO DA CAVERNA

A metáfora proposta pela Alegoria da Caverna pode ser interpretada da seguinte maneira:

- Os prisioneiros: os prisioneiros da caverna são os homens comuns, ou seja, somos nós mesmos, que vivemos em nosso mundo limitado, presos em nossas crenças costumeiras.

- A caverna: a caverna é o nosso corpo e os nossos sentidos, fonte de um conhecimento que, segundo Platão, é errôneo e enganoso.

- As sombras na parede e os ecos na caverna: sombras e ecos nunca são projetados exatamente do modo como os objetos que os ocasionam são. As sombras são distorções das imagens e os ecos são distorções sonoras. Por isso, esses elementos simbolizam as opiniões erradas e o conhecimento preconceituoso do senso comum que julgamos ser verdadeiro.

- A saída da caverna: sair da caverna significa buscar o conhecimento verdadeiro.

- A luz solar: a luz, que ofusca a visão do prisioneiro liberto e o coloca em uma situação de desconforto, é o conhecimento verdadeiro, a razão e a filosofia.


O MITO DA CAVERNA VISTO NOS DIAS DE HOJE

Trazendo o Mito da Caverna para o nosso tempo, é possível dizer que o ser humano tem regredido constantemente a ponto de estar, cada vez mais, vivendo como um prisioneiro da caverna, apesar de toda informação e conhecimento que ele tem a seu dispor.

As pessoas têm preguiça de pensar. A preguiça tornou-se um elemento comum na nossa sociedade, estimulada pela facilidade que as tecnologias nos proporcionam. A preguiça intelectual tem sido, talvez, a mais forte característica do nosso tempo.

A dúvida socrática, o questionamento, a não aceitação das afirmações sem antes analisá-las – elementos que custaram a vida de Sócrates na antiguidade – são hoje desprezados.

A política, a sociedade e a vida comum deixaram de ser interessantes para os cidadãos do século XXI que apenas vivem como se a própria vida tivesse importância maior que a preservação da sociedade.

As fake news estão enganando cada vez mais pessoas que não se prestam ao trabalho de checar a veracidade e a confiabilidade da fonte que divulga as informações.

As redes sociais viraram verdadeiras vitrines do ego, que divulgam a falsa propaganda de vidas felizes, mas que, superficialmente, sequer sabem o peso que sua existência traz para o mundo.

A ignorância, nos nossos tempos, é cultivada e celebrada.

Aquele que ousa opor-se a esse tipo de vida vulgar, soterrada na ignorância, presa na caverna como estavam os prisioneiros de Platão, é considerado louco.

Os escravos presos no interior da caverna não percebem que são prisioneiros, assim como as pessoas que estão presas na mídia, nas redes sociais e no mar de informações da internet, muitas vezes desinformantes, não percebem que são enganadas.

Vivemos na época do predomínio da opinião rasa, do conhecimento superficial, da informação inútil e da prisão cotidiana que arrasta as pessoas, cada vez mais, para a caverna da ignorância.